A Organização das Nações Unidas (ONU) fez do dia 17 de junho o Dia Internacional de Combate à Desertificação e aos Efeitos da Seca, trazendo este ano o tema “Obtenção de segurança alimentar para todos através de sistemas alimentares sustentáveis”. Um dia para refletir sobre a degradação dos solos e as formas de preservá-los. No Brasil, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente, as Áreas Susceptíveis à Desertificação (ASD) envolvem os 9 Estados do Nordeste, e parte de Minas Gerais e do Espírito Santo, área onde predomina o Semiárido. São 1.340.863 km2, que representam16% do território brasileiro em 1.488 municípios onde vivem 17% da população brasileira. Nesta área estão 85% dos cidadãos considerados pobres do país. Neste debate se evidencia a importância da agricultura familiar agroecológica como forma de garantir a renovação da vida na região. Procópio Lucena, coordenador executivo da ASA pelo estado do Rio Grande do Norte e membro da Comissão Nacional de Combate à Desertificação (CNCD), afirma que “há um conjunto de iniciativas feitas pela sociedade civil, pelo movimento sindical, pelos movimentos sociais, pelos agricultores e agricultoras familiares, pelas comunidades e povos tradicionais, que tem, historicamente, cuidado bem da terra, tratado dela realmente como mãe e irmã.” Torquato Teixeira Neto, 47, da comunidade Logradorzinho, no município de Messias Targino (RN),
Para a experiência, uma área de um hectare foi cercada, há quatro anos, e passou por uma intervenção para implentação de curvas de nível e barreiras de contenção, com o objetivo de favorecer a fixação de nutrientes e humidade no solo, além de reduzir a erosão. Uma parceria com a Prefeitura Municipal garantiu o acesso a restos da poda de árvores, que iam sendo distribuídas no terreno em forma de leiras, cobrindo o solo. Mudas de plantas nativas diversas e sementes de capim foram plantadas, mas muitas mudas não sobreviveram à estiagem prolongada. As que resistiram logo se viram acompanhadas de espécies nativas que nasceram de forma natural, como a flor-de-seda, a jurema, e o juazeiro. A experiência surpreendeu positivamente o agricultor: “Eu não botava muita fé não. Fiquei surpreso. Era um solo devastado, que não criava nada. Aí agora está nascendo capim, muita erva lá dentro.” Agora, ele pretende estender a prática a outras áreas em sua propriedade, recuperando-a aos poucos. E quando Teixeira recebe visita de outros/as agricultores/as para troca de experiências sobre o cultivo de palma, no qual é uma referência na região, mostra também sua área em recuperação, onde já está inserindo, além da palma, o plantio de cardeiros. O processo foi acompanhado de perto pelo engenheiro agrônomo Fabrício Edino, que atua no Seapac. O profissional destaca a importância da dedicação do agricultor a esse trabalho, e a construção conjunta de conhecimentos, como elementos importantes para o sucesso nesta ação. “Ele absorveu de uma forma muito prática, e aprendeu fazendo. A gente foi orientando, tentando trazer o saber científico, mas aprimorando isso com a experiência dele. Temos percebido que ele tem incorporado essa ideia com muita propriedade, e isso traz um reflexo grande para a agricultura familiar, porque ele serve de espelho para os outros agricultores”, avalia Edino. Sociedade civil - Como o Seapac, outras organizações da sociedade civil incentivam formas, familiares ou coletivas, de produção de alimentação saudável, sem agrotóxicos, associada a processos de recuperação e conservação do solo. A organização Centro de Assessoria e Apoio aos trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas (Caatinga), de Pernambuco, promove a constituição de quintais produtivos associada à implementação de tecnologias sociais de estocagem e reuso de água. Os/as participantes recebem orientações e incentivos para produzir sem utilizar agrotóxicos, privilegiando a diversidade.
Outra iniciativa que se destaca é o projeto “Mulheres da Caatinga”, da Casa da Mulher do Nordeste (CMN). O projeto mobiliza 210 mulheres agricultoras que vivem no Território do Pajeú, em Pernambuco, para intervirem na recuperação de áreas degradadas da vegetação da Caatinga. Em dois anos foram realizadas várias ações no território, como: a plantação de mais de 46 mil plantas nativas, a ampliação de dois viveiros de mudas na região, a construção de 210 fogões agroecológicos, a realização de oficinas e seminários para formação em educação ambiental e feminista, e a divulgação e multiplicação das experiências das mulheres no programa de rádio Fala Mulher. Graciete Santos é coordenadora da CMN, e afirma que a prática de pensar alternativas junto com as agricultoras para a recuperação das áreas degradadas tem sido importante para a instituição. “A gente tem identificado o envolvimento, o olhar e o cuidado, essa reunião que as mulheres tem com seu quintal, com a caatinga e a natureza como um todo. Essa experiência tem trazido o quanto as mulheres tem conhecimento construído, nessa relação de observação, prática, experimentação, de inteireza com o meio ambiente. Fica muito claro com essa experiência, que traz essa questão do bioma caatinga, da preservação, o quanto as mulheres já vem fazendo isso de alguma forma” relata Santos. As experiências de CMN e Caatinga, além do Centro Sabiá, de Pernambuco, e do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM), que fazem parte da ASA em seus respectivos estados, receberão hoje o certificado Dryland Champions, concedido pela Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) em parceria com o Ministério do Meio Ambiente(MMA)/Departamento de Combate a Desertificação/Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável. São certificadas iniciativas de pessoas, organizações e empresas que contribuem para o manejo sustentável da terra, e, que melhorem as condições de vida das populações e as condições dos ecossistemas afetados pela desertificação e seca. A premiação ocorreu hoje durante o Seminário “Dia Mundial de Luta contra a Desertificação”, que está sendo realizada em Caicó (RN), promovido pela Diocese de Caicó em parceria com o SEAPAC, Departamento de Combate à Desertificação, do MMA, Agência de Desenvolvimento do Seridó (ADESE) e o Comitê da Bacia Hidrográfica Piancó Piranhas Assu (CBH PPA). Contradição – As experiências que contam com o protagonismos dos povos que trabalham e vivem da terra da região Semiárida dão o testemunho da importância e da satisfação que seus resultados trazem, além do potencial de multiplicação das práticas desenvolvidas. Podem ser, e tem sido, a base para políticas públicas importantes, que promovem a convivência com o clima da região, articuladas com a sociedade, privilegiando a participação, a mobilização e o controle social. Na contramão disto está o agronegócio. Esta modalidade de exploração econômica da terra reforça os processos de degradação, mas recebe os maiores incentivos governamentais, em contradição com a proposta de conservação dos solos assumida pelo país internacionalmente. Quem traz essa reflexão é Procópio Lucena. Para ele, “do ponto de vista do Governo Brasileiro,você também tem algumas iniciativas que são relevantes, como P1MC, P1+2, a ação com sementes crioulas, mas as ações mais sistemáticas, mais voltadas ao cuidado com a biodiversidade, tem sido muito vagas, porque está investindo fortemente em modelos de agricultura como o agronegócio, a monocultura, grandes projetos de irrigação no Semiárido, insistindo em projeto como o da Chapada do Apodi (leia mais aqui), que expulsa os agricultores familiares para implementar a monocultura.” Esse comportamento político destoa da compreensão crescente acerca da importância dos solos, inclusive para garantia da disponibilidade de alimentos. Em sua participação no seminário “Nordeste 60 anos depois: mudanças e permanências”, realizado em Natal entre os dias 27 e 29 de maio, Alan Boujanic, representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) no Brasil, revelou que 95% dos nossos alimentos vêm dos solos, mas 33% dos solos do mundo estão degradados. Ele afirmou quem em 2050 o mundo precisará aumentar a produção de alimentos em 60%, o que reforça o conselho dado no slogan da campanha do Dia Mundial de Combate à Desertificação: “Não existe almoço grátis. Invista em solos saudáveis.” No contexto atual, o problema não é a falta de alimentos, segundo Lucena. Ele acredita que a questão da fome está ligada à injustiça social: “A fome é fruto da concentração de renda, de riquezas, de terra, de poder, e nisso nós não avançamos. Práticas de conservação, de cuidados com a natureza, com a biodiversidade, com a água, com o solo, com os ecossistemas, são estratégicas porque são capazes de gerar diversidade de produção, o que gera a boa alimentação, saudável. Não adianta o Brasil produzir 204 milhões de toneladas de grãos, como faz atualmente, quando 70% é soja para exportação, ou milho. Não são os alimentos básicos que a sociedade necessita e que são produzidos pela agricultura familiar camponesa de base agroecológica.”
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quinta-feira, 18 de junho de 2015
Agricultoras/es familiares: a linha de frente da luta contra a desertificação
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