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Passados
25 anos de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) –
recém-completados nesta semana –, ainda são muitos os desafios para
fazer valer esta lei, que surgiu para assegurar os direitos das crianças
e dos adolescentes brasileiros, tanto na proteção em relação às mais
diversas formas de violência, quanto em relação ao desenvolvimento desse
grupo social. O direito à educação está presente no capítulo IV do
Estatuto, em que se afirma, entre outras questões, a igualdade de
condições de acesso e permanência na escola. Se já se sabe das dificuldades de garantir esse e outros direitos em condições urbanas, quando nosso olhar se volta para a realidade rural, os problemas se ampliam. De acordo com o último Censo Escolar realizado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), somente no ano passado, 4.084 escolas do campo fecharam suas portas. Nos últimos 15 anos, esse número chega a 37 mil unidades educacionais a menos no meio rural. Fazendo as contas, isso representa oito escolas rurais fechadas por dia em todo o Brasil, atingindo 83 mil estudantes. Além dos números – A região Nordeste é a campeã nesse ranking negativo, tendo à frente os estados da Bahia, Maranhão e Piauí. Só no ano passado foram 872 escolas fechadas na Bahia. O Maranhão aparece na segunda posição, com 407 escolas fechadas, seguido pelo Piauí, com 377. O Semiárido lidera em relação aos municípios com mais fechamento das escolas, sendo o primeiro lugar de Santa Quitéria (CE), com menos 37 escolas em 2014 e, em segundo, Euclides da Cunha (BA), que perdeu 29 escolas rurais. Leia mais sobre o Censo Escolar de 2014 aqui. Lançada em 2014, e voltada para mudar as Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a Lei 12.960 tinha como um dos objetivos aumentar o grau de exigência para que uma escola fosse fechada. No entanto, isso ainda não saiu do papel. “Em sua maioria, as escolas foram fechadas por causa do projeto de nucleação das escolas rurais que consistiu na extinção das escolas multisseriadas do meio rural. Justifica-se pela diminuição do número de alunos que frequentavam tais escolas, mas este processo trouxe mais dificuldades e prejuízos para as famílias e as crianças do Semiárido, como o distanciamento da escola-núcleo das comunidades de origem e os riscos e desgastes no deslocamento dos alunos, em percursos de estradas e transportes em situações precárias”, complementa Carlos Humberto, coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado do Piauí. Mas o fim dessas escolas não é o único problema que crianças e adolescentes do interior do País enfrentam para continuar a estudar. Outro ponto a ser observado é a nucleação, que concentra várias unidades escolares numa única escola-polo e dificulta a ida à escola de estudantes que moram em comunidades mais afastadas. Nesses casos, para evitar a evasão é preciso que o poder público local garanta um transporte escolar ainda mais eficiente, o que, na maioria das vezes, infelizmente, não ocorre. “Em municípios descomprometidos com a educação do seu povo, muitos estudantes são transportados todos os dias em veículos de péssima qualidade, em ‘carros aberto’, improvisados, sem nenhuma segurança, onde o trajeto leva horas de viagem. É muito comum, nas estradas e caminhos do Semiárido, encontrarmos veículos transportando crianças, jovens e adolescentes, sem nenhuma condição de transportar pessoas. Em muitas situações, alunos ficam mais tempo na espera e no deslocamento do que na própria sala de aula”, denuncia Carlos Humberto. As condições das escolas de campo que permanecem abertas também são inadequadas. Os dados do Inep ainda apontam que, das 70.816 instituições na área rural registradas em 2013 (uma década antes eram 103.328), muitas delas continuam sem infraestrutura adequada — biblioteca, internet ou laboratório de ciências. Se pensarmos nas escolas do Semiárido, outro dado comum é que muitas delas sequer têm acesso à água potável, seja para beber ou cozinhar uma merenda de qualidade, o que incide também na segurança alimentar desses educandos e educandas.
O Censo também aponta que, se houve uma queda na matrícula do ensino fundamental na área rural, em relação ao ano anterior, nos centros urbanos, esse número cresceu, em relação ao mesmo período. Isso pode indicar que, além da evasão, o fechamento dessas escolas tenha uma relação direta com o êxodo rural. “O desenraizamento cultural dos alunos do campo, tanto por deslocá-los para longe da comunidade de origem, como por oferecer um modelo de educação urbano, alheio ao seu cotidiano, caracteriza, mais uma vez, a descontextualização da educação no Semiárido brasileiro”, completa o coordenador. Assim, fazer com que essas crianças e adolescentes permaneçam em seu lugar de origem, convivendo com sua região e estudando em escolas locais de qualidade passa a ser, assim, a luta de pais, educadoras/es, movimentos e organizações que atuam na incidência de políticas públicas no meio rural. Resistir ao fechamento das escolas e garantir o direito à educação nesses municípios é também atuar no enfrentamento ao agronegócio e aos grandes projetos que percebem o campo apenas como lugar de produção e não de vida.
Nas palavras de Carlos Humberto, “uma das facetas do projeto é incluir todos os ‘donos’ da Escola, a prefeitura, educadores e educadoras, merendeiras, vigias, serviços gerais e a comunidade, onde cada um possui uma responsabilidade na construção e no zelar da cisterna. Sendo assim, a gestão municipal vem buscando melhorias nas estruturas das escolas rurais bem melhoria do telhado, abastecimento de água de qualidade, como também algumas alternativas para o abastecimento de energia elétrica”. “A cisterna veio no momento certo. Os pais estão entendendo o processo e se envolvendo”, conta Aluísio, diretor da escola de Bueno e de mais duas escolas em comunidades vizinhas. O educador precisa se desdobrar para acompanhar as três escolas e as classes multisseriadas também são uma realidade nas escolas da região. Em Bueno, a escola só tem 16 estudantes e é a organização da comunidade que tem garantido que o espaço não feche as portas e que, consequentemente, os\as estudantes não tenham que se deslocar para a cidade para estudar. Vizinha a Bueno e localizada no mesmo município, a escola da comunidade de Cajazeiras também conquistou uma cisterna escolar. Em Cajazeiras, estudantes e professores já se organizam em torno do cultivo de uma horta na escola. Nesta comunidade, são 44 estudantes que também resistem ao processo de fechamento das escolas. Só em Irauçuba, foram 40 escolas fechadas nos últimos anos. Nas duas comunidades, as cisternas foram construídas em mutirão por mães e pais dos educandos/as. Na opinião de Carlos Humberto, a participação da família e da comunidade no processo escolar continua, para além da construção das cisternas. “Percebeu-se que após a construção das cisternas, alguns pais e mães estão frequentando mais as Escolas, preocupados com a qualidade do ensino que o filho ou filha estão recebendo, havendo uma maior integração da comunidade-escola-comunidade”, afirma. Para Paulo César Oliveira, da Cáritas Diocesana de Itapipoca, entidade que executa o Programa Cisternas nas Escolas na região, “a centralidade do projeto é discutir a concepção de educação, tentando ir para além da construção de cisterna e agindo na transformação da escola, fazendo desse processo um aprendizado coletivo”.
“Entende-se que a escola tem um potencial transformador na vida da comunidade escolar e junto com o Cisternas nas Escolas proporciona a democratização da água, tornando a água de beber em água de educar, ou seja, um instrumento de educação contextualizada”, explica Carlos Humberto. Para o programa, o abastecimento das escolas com água potável pode significar um melhor aproveitamento desses espaços e possibilitar novas formas de aprendizagem, por meio da educação contextualizada, estimulada em oficinas realizadas com educadoras/es das escolas que estão implantando a tecnologia. “Com a metodologia da educação contextualizada, percebe-se que os professores estão construindo pequenos projetos de valorização da comunidade, da cultura local junto aos alunos, o que proporciona uma maior valorização do ambiente escolar”, ele conclui. |
quarta-feira, 15 de julho de 2015
Escolas como resistência no Semiárido
sexta-feira, 3 de julho de 2015
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